Opinião: Transparência e sustentabilidade nas relações

Poder 360: Transparência determina sustentabilidade em relações de consumo

 
A falta de transparência nos contratos de adesão e o fornecimento inadequado de informação aos consumidores estão entre as principais causas de insatisfação dos clientes. Falhas como essas engrossam os rankings de reclamação, consomem o tempo de pessoas e empresas, e geram custos.
 
Existe um desequilíbrio natural entre o fornecedor que conhece seu produto e domina suas condições comerciais e financeiras, e o cliente, que muitas vezes só tem acesso aos materiais que o vendedor lhe mostra ou que estão no site da empresa. Essa assimetria pode ser reduzida a um nível justo se o fornecedor oferecer informações claras, adequadas e em momento propício para compensar o desequilíbrio. Quando isso não acontece, a tomada de decisão do consumidor na hora da contratação é prejudicada o que compromete toda a relação com a marca, aumenta a demanda às centrais de atendimento e pode culminar em judicialização.
 
O custo dessa ineficiência entra no preço dos produtos e serviços, e influencia até mesmo a inflação. Onera a máquina pública e consome recursos de órgãos reguladores e de fiscalização. A oferta inadequada de informação ao consumidor é o ponto de partida de um longo processo de prejuízos e insatisfação no qual todos perdem. Por isso, a assimetria de informação deixou de ser apenas uma falha de mercado para se tornar também um determinante de sustentabilidade das relações de consumo, com impacto direto na vida dos consumidores e na economia. 
 
O tratamento da assimetria de informação está inserido nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), abordado mais diretamente no ODS 16. “Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis” é o enunciado da meta 16.6. Por outro lado, a norma ISO 24.495 de Linguagem Simples, publicada em junho de 2023, é resultado de anos debates e recomenda práticas para a elaboração de documentos de clara compreensão para que as pessoas possam encontrar a informação de que precisam, entender e usar conforme a necessidade. Simples, porém raro. 
 
Está em desenvolvimento o segundo capítulo da norma, voltado à escrita jurídica. A Rede Linguagem Simples Brasil trabalha junto à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para converter a referência internacional em uma norma brasileira. No Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei 6.256/2019, que institui a Política Nacional de Linguagem Simples na administração pública. Aprovado na Câmara, o PL está em análise no Senado. Avanços como esses convocam empresas e governos a abandonar a letra miúda e o juridiquês para acreditar de vez na transparência. 
 
No setor de saúde, o impacto da assimetria de informação é bastante evidente. Estatísticas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o segundo maior motivo de queixas sobre planos de saúde refere-se a contratos e regulamentos. Questões sobre rescisão ou cláusulas contratuais, documentos de entrega obrigatória, entre outras geraram 13% das reclamações em 2023, à frente de temas como Mensalidades e Reajustes, com 4,38%, e atrás apenas das reclamações sobre Cobertura, com 82,6% das demandas.
Entre 2015 e janeiro de 2024, a ANS registrou 1,4 milhão de Notificações de Intermediação Preliminar (NIP) e 18,8% foram sobre contratos e regulamentos. No segmento exclusivamente odontológico, embora a complexidade seja menor, a proporção de queixas sobre esse tema foi de 36,5%, enquanto reclamações acerca de cobertura chegaram a 54,75%. Nos pedidos de informação dirigidos aos canais da ANS, também fica evidente o impacto da falta de clareza. Entre janeiro de 2010 e julho de 2023, ocorreram 3,2 milhões de solicitações e 29,5% referem-se a contratos e regulamentos.
Vemos outro exemplo no mercado financeiro. No ranking de reclamações do Banco Central, a oferta inadequada de informação sobre produtos e serviços por administradoras de consórcios foi o segundo maior motivo de queixas no segundo semestre de 2023. O problema é crônico e ocorre em todos os setores.
 
Em uma vida regida por contratos, podemos estimar que o brasileiro mantém em média entre 20 e 30 relações contratuais simultâneas com fornecedores. Um emaranhado de regras, coberturas e exclusões difícil de gerenciar e inevitável. Sentir-se confortável e seguro diante disso é um sonho de consumo para os consumidores e as empresas precisam prestar mais atenção nisso. Transparência agrega valor e preserva relações.
 
Leonardo Araújo
Sócio do Contrato Transparente
Artigo originalmente publicado no portal Poder 360. Acesse aqui

 

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